O espanhol Carlos Campano se despediu das competições no Brasil e se prepara para um novo recomeço, mas antes de partir, ele foi homenageado ao final do Brasileiro de Motocross, em setembro, na última etapa, em Rio Fortuna (SC), pelos fãs brasileiros, pilotos, companheiros e equipe. E a Confederação Brasileira de Motociclismo decidiu eternizar o número 115 em agradecimento à sua importante influência no esporte nacional.
Helio Ninomiya, diretor executivo de Marketing, Planejamento e Treinamento da Yamaha do Brasil, ressaltou a importância da homenagem e reforçou o agradecimento ao piloto. “Ficamos felizes com esta justa homenagem. O Campano fez história no Brasileiro de Motocross e merece ser eternizado. Este tipo de atitude valoriza o atleta, enobrece o esporte, confirma uma trajetória de sucesso. Agradecemos à CBM pela eternização do 115 e mais uma vez parabenizamos nosso piloto Carlos Campano por sua história de conquistas e, acima de tudo, seu caráter, sua conduta dentro e fora das pistas”, salientou o executivo.
Não poderíamos deixar de dedicar um espaço especial para este importante piloto que teve um crucial papel no desenvolvimento do esporte nacional. Conversamos com o Campano sobre seus primeiros anos no Brasil, sobre suas conquistas e para sabermos o que pretende fazer a partir de agora. Acompanhe nosso bate-papo especial com o estrangeiro que marcou seu nome no esporte nacional, que desde sua primeira participação no Campeonato Brasileiro de Motocross praticamente conquistou o título ou foi vice-campeão na principal categoria.
DA – Você começou a competir no Brasil a partir de 2012, depois de conquistar inúmeros títulos na Espanha e participar no Mundial de Motocross, inclusive conquistando o título da MX3. Como foi vencer o Mundial?
CAMPANO – Na verdade, eu já estava competindo no Mundial e, em determinado momento, resolvi competir com minha própria equipe, a mesma que competia na Espanha. Para isso, a equipe precisava ser aprovada pelos organizadores, como é o regulamento, mas a permissão estava demorando e então decidi competir na MX3, para não perder tempo. Isso mudou muito a minha carreira, pois conseguimos vencer. Foram muitas etapas e mesmo assim conquistamos o título, que foi fundamental para a minha carreira como piloto profissional. Tanto que no ano seguinte eu acabei sendo convidado para substituir o David Philippaerts na equipe oficial da Yamaha, ocasião que também foi fundamental para a minha carreira, pois competi com uma motocicleta oficial, bem diferente de uma privada, que tem poucas armas para brigar por vitórias.

O que lhe levou a abandonar tudo e iniciar uma carreira no Brasil?
Fazer aquelas etapas com a moto oficial da Yamaha me permitiu conquistar grandes resultados, como o pódio, consegui disputar as primeiras posições e a liderança de provas. Ao retornar para a moto privada, dando o máximo, 100%, ficou complicado conquistar bons resultados e pontos no campeonato. Falei para o meu pai que se não conseguisse uma moto oficial, iria procurar um campeonato nacional forte, pois você se arrisca muito, tem muito trabalho, mas não tem as ferramentas necessárias para brigar por melhores resultados. Assim, é melhor competir fora do Mundial. Foi o que fiz.
Você chegou ao Brasil para fazer parte da equipe oficial da Yamaha. Foi difícil se acostumar com o campeonato brasileiro e nossas pistas? Quais foram suas maiores dificuldades no início da sua carreira no Brasil?
Como esperado, foi uma mudança brusca. Também na mentalidade e na experiência da equipe Yamaha. Na Europa eu me preocupava em treinar e correr; aqui o projeto era construir uma equipe. Era um grupo pequeno, mas com muita vontade de evoluir. Você tem que se dedicar para ser competitivo. Por outro lado, foi fácil porque gostei muito do clima e a região que fiquei se parecia com a da minha casa, na Espanha. Gostei muito das pessoas e nessa época as pistas eram similares às do Mundial. Adorei competir na equipe.
Quais são as diferenças entre o Campeonato Espanhol e o Brasileiro?
Atualmente, o espanhol é muito organizado, você tem um calendário que nunca vai mudar, que mantém sua programação. Tipo sai o calendário espanhol e praticamente no mesmo dia já tenho hotel, avião e tudo o que é preciso. É muito mais fácil se organizar. Outro fator importante no Espanhol são as pistas, que em grande parte são tradicionais no evento, quase sempre você compete nas mesmas pistas, apenas uma ou outra são novas. São pistas tradicionais muito bem preparadas porque recebem competições há muitos anos. No Brasil, infelizmente, nos últimos anos as provas vem mudando, com o calendário apresentando locais incertos. O Espanhol está mais organizado e o Brasileiro não tem padrão. Sinto saudade daquelas primeiras pistas que conheci, como a de Canelinha (SC).
O que pensa do Campeonato Brasileiro, o que é preciso mudar?
Como disse, acho que tem coisas para mudar, mas é preciso frisar que os pilotos evoluíram muito e as equipe evoluíram também. Algumas pistas são pequenas, de pouco nível técnico. E também a quantidade de categorias. Na Espanha, o campeonato nacional tem três ou quatro categorias, mas aqui são mais de dez categorias, inibindo colocar a dificuldade que merecem os pilotos profissionais.
Acho que vai ser difícil. A pista tem que focar no campeonato brasileiro profissional, deve-se separar as categorias amadoras, em pistas como era a Beto Carreiro, em Santa Catarina. Fico um pouco triste, talvez um pouco bravo, não sei o que é porque eles mostram às vezes que podem melhorar e depois não melhoram. Como disse, não tem um padrão.
Você conquistou cinco títulos brasileiros na principal categoria e foi o vice nos outros anos. Esperava ter tanto sucesso no Brasil?
Na verdade, não esperava. Eu cheguei com a ideia de conhecer o Brasil, de tentar vencer provas e, claro, tentar ganhar título aqui. Queria mostrar que poderia ser competitivo, mas nunca imaginei ganhar tantos títulos. Nem imaginei passar 11 anos da minha vida no Brasil, e com a Yamaha, uma família pra mim. Nunca imaginei chegar até aqui. Era uma aventura e acabei ficando um longo tempo.
Você competiu sempre pela equipe oficial Yamaha, que tem como gestor o Sandro. Como foi trabalhar com ele?
Foi um prazer. Conhecia o “Cacau”, Carlos Hermano, que fazia parte da equipe Yamaha e falou que eu deveria vir para o Brasil. “Vamos cuidar de você, não vai se arrepender”, disse ele. Retruquei dizendo que o país era muito distante da minha casa, que seria muito risco, que era mais fácil eu ficar na Europa, no campeonato inglês ou em outro campeonato mais perto. Mas o Cacau falou que o projeto era interessante e que o Sandro me daria as condições necessárias para competir no Brasil, que ele trabalharia para acontecer tudo o que eu precisava. Quando cheguei, a estrutura era pequena, tinha uma pista abandonada, com mato; agora existe uma estrutura incrível, com um Centro de Treinamento perfeito e uma pista bem técnica. O Sandro me fez acreditar no projeto e tornou tudo muito profissional, foi um trabalho sério. Graças a ele, a equipe evoluiu para um grande nível.

Sandro (a esq.), Campano e Hélio da Yamaha
Você também competiu contra companheiros da sua equipe. Como foi o relacionamento com o Paulo Alberto e o Fábio Santos?
Na verdade, nosso relacionamento é muito bom, nossa convivência nos treinos é muito tranquila e quem ganhou na pista foi porque mereceu. No ano passado, o Fabinho ganhou depois de dez anos sem ganhar o Brasileiro. Cara, eu vi ele crescer e ganhar campeonatos na MX2, e procurei colaborar na sua evolução. Ele ficou um tempo na minha casa na Espanha, se preparando, e procurei passar para ele toda a minha experiência, para que evoluísse mais rápido e sem cometer os erros que cometi, demorando a brigar por títulos. Então, quando ele foi campeão, senti que fiz parte da sua conquista.
Quanto ao Paulo, ele é um grande piloto e um cara muito legal e muito profissional. Ele também conquistou tudo dois anos atrás. A gente tem um bom relacionamento. São caras sensacionais, competir com eles foi muito bom estar, me deixou mais feliz. Dentro da pista nós sempre demos 100%, mas sempre num jogo limpo entre nós. Ganha o melhor e os outros ajudam para a equipe ser vencedora.
Como foi a parceria com a Yamaha durante todos esses anos?
Praticamente a minha vida toda eu corri com a Yamaha. Não é brincadeira. Apesar de ter competido com outras marcas, como quando estive na Bélgica com o pai do Stefan, o Harry, correndo com KTM. Contudo, praticamente a vida toda eu competi com a Yamaha, tanto na Espanha, como no Mundial e aqui também, nesses 11 anos. A Yamaha sempre acreditou no meu trabalho, e agora que vou me aposentar, vamos continuar trabalhando juntos, formando jovens pilotos, fazendo uma parceria muito boa. A Yamaha é como uma família para mim, eu sempre estava na fábrica, no escritório, e estou muito feliz de ter construído essa parceria.
Falando um pouco sobre a vida privada, o que gosta de fazer além do motocross?
Bom, pretendo mudar agora e começar a curtir um pouco mais. Eu já estava mais relaxado neste ano, comecei e gostei pra caramba. Sou bem tranquilo, gosto de passear o dia com a família. Também tenho cinco cachorros (risos). Sou muito tranquilo, passear e curtir a família, e também sempre coisas esportivas. Não gosto de sair para badalar em boates (risos). Não me sinto confortável quando tem muita gente, a não ser no motocross.
Depois de encerrar sua carreira no Brasil, o que pretende fazer?
Quero continuar competindo no Espanhol, um campeonato bem mais tranquilo para mim, sem ter que viajar tanto, sem ficar muito estressado. Tenho uma escola que há uns três anos está parada, então, vou reativá-la, agora é hora de começar a trabalhar nela. Tem uns meninos aqui da equipe que pretendem fazer uma pré-temporada lá, treinando e se preparando juntos. Vou ajudar a molecada nova, que está começando nas categorias inferiores.
É isso aí, tentar seguir ligado e curtir as competições sem tanta pressão. Ainda quero ganhar, ainda sou rápido. Acho que posso continuar brigando pela vitória mais um ano ou dois anos. Vou tentar competir em uma prova do Mundial ou do Europeu. Sim, tentar competir, andar de moto, mas sem a pressão de brigar pelos títulos como nesses nos últimos 11 anos.
PRINCIPAIS TÍTULOS
• 5X campeão brasileiro de motocross (2012/14/15/17/18);
• 5X vice-campeão brasileiro de motocross (2013/16/19/20/22);
• Campeão da Copa Brasil de Motocross (2015);
• Campeão do Arena Cross Brasil (2014);
• Campeão da Superliga Brasil de Motocross (2012);
• Campeão Mundial na MX3 (2010);
• 3X campeão espanhol de Motocross (2006/09/21).